quarta-feira, junho 29, 2011

Alçapão, de João Leal - Resenha


Terminando a leitura de Alçapão, obra de estreia de João Leal (Quetzal, 2011), volto a ler as frases promocionais da capa e a sinopse no seu reverso; e a ideia de que acabei de partilhar de um tremendo mal-entendido reforça-se ainda mais.

Mal-entendido esse que começa pelo nome do romance, que afinal poderia ter sido igualmente “Ilha”, ou “Torre”, ou, obviamente com alguma ironia,“Tábuas de madeira onde surgem espontaneamente desenhos premonitórios”, ou qualquer outro elemento da narrativa que, não sendo propriamente definidor do livro como um todo, nele terá a sua importância pontual. Não que o livro não acabe por ter um objectivo, que o tem, e que até consegue resistir ao encobrimento a que o autor o devota (e esta afirmação explicarei mais abaixo); o que me faz interrogar se simplesmente alguém não encontrou melhor forma de o “vender”, perdão, promover.

A este ponto convém dizer que a sinopse do livro contém uma afirmação da qual partilho inteiramente: «João Leal, nesta sua homenagem plena de imaginação às histórias de aventuras […]». Efectivamente, João Leal demonstra aqui uma imaginação fecunda, e uma capacidade vincada para a descrição psicológica dos personagens. No entanto, a estrutura narrativa concebida acabou por espartilhar brutalmente tanto o universo inventado como o desenvolvimento das próprias personagens, sendo estas últimas amiúde marteladas à forma pela qual a vontade do autor determinou o encadeamento da história.
E isso também se torna visível na própria relação autor-leitor. Citando uma das personagens da 2ª parte do livro, Suryal: «Não precisamos de plano. O Altíssimo nos indicará o que fazer. Vocês, homens, já deviam ter aprendido isso para as vossas vidas e deixado de se preocupar tanto com o futuro». É esse exactamente o sentimento que fiquei como leitor, que deveria permanecer sentado e quieto, aceitando os inúmeros momentos de dei ex machina que constantemente surgem como pipocas para explicar a condução da história e a interacção entre personagens, e para a fazer andar na direcção aparentemente pretendida pelo autor. Ou seja, perde-se a empatia do leitor pela narrativa, tal parece a obsessão do autor em criar surpresa no leitor; tal é a necessidade que tudo seja inesperado… inclusivamente o móbil da história!

Como referi, a história é rica em ideias. Por vezes, demasiado rica para que algumas delas não se comecem a entrechocar. A sua coluna vertebral, parece ser afinal um episódio bíblico, e a forma como ele poderá ter ocorrido, cruzando o nosso presente com esse passado. A primeira parte do livro está vestida como um thriller policial, destinado a fazer com que duas personagens se sujeitem a uma promessa a um anjo (e tudo o resto acaba por ser descartável, incluindo o badalado alçapão!). A segunda parte está vestida como romance histórico-bíblico, com algumas interpretações originais de mitos sobejamente conhecidos, como a Torre de Babel ou a Arca de Noé.

Apesar do estatuto paraliterário dos romances de aventuras, há que reconhecer que o seu sucesso reside em última instância na capacidade de nos fazer perseguir intensamente um mistério ou um objectivo. Para tal é necessário que esse objectivo, ou os contornos desse mistério, sejam apelativos. Da mesma forma, é necessário que os sucessivos episódios sejam congruentes e significativos, para o avançar da trama e para o desenvolvimento dos próprios personagens. Em Alçapão, o único fio condutor comum e declarado ao longo de todo o livro, que vislumbro, é o da obediência absoluta aos desígnios do “Altíssimo”. Como leitor, isso definitivamente não me chega!
Ao terminar a obra, prefiro concluir que ela talvez se devesse ter chamado algo como “A Palavra” ou, talvez melhor, “O Verbo”. Não me chegando para colmatar todas as deficiências que apontei anteriormente, certamente não me convencendo de que se trata de um romance de aventuras de excelência, levar-me-ia no entanto a concluir que o principal motor da trama está afinal lá, mas encontra-se demasiado encoberto praticamente até ao final.
Aqui, quase apostava na falta de questionamento de um editor ao que o autor escreveu, assim como o noto em algumas cenas que saíram demasiado confusas, em frases gatadas, ou em linguagens desajustadas. Mas isso levar-nos-ia ao crescente desmazelo até das mais conceituadas editoras nacionais, visível tanto nas traduções como nos originais; e isso iria conduzir-nos a outra conversa.
Assim, acredito que este Alçapão, de João Leal, seja um romance com uma imaginativa premissa de universo, habitado por personagens bem moldadas, mas que no entanto sofreu de uma excessiva omnisciência (ou talvez devesse mesmo dizer prepotência) do autor. Cada vez que a obra me começava a conseguir envolver, e não foram poucos os momentos, passado pouco lá era de novo arrancado do deslumbramento por uma explicação, diálogo ou facto que me surgiam incongruentes. É a mesma sensação de estarmos a tentar atingir os 200 km/h num Ferrari que engasga sempre que atingimos os 80…

Não é fácil fazer um balanço desta obra. Sendo o primeiro romance do autor, não posso deixar de ficar curioso pela próxima obra, apesar de a vir a abordar certamente com mais cautela do que neste caso. Como romance fantástico, apesar da imaginação patente, o tratamento narrativo acabou por o revestir de um excessivo clima de artificialidade. Mesmo esse clima sendo quebrado pontualmente por personagens com aspectos cativantes, se ao menos os tivessem mantido ao longo da obra, e se o autor tivesse ouvido a sua voz, talvez o resultado fosse mais compensador, do ponto de vista deste leitor.


(nota para o fabuloso booktrailer concebido para o livro)

quarta-feira, junho 15, 2011

Concurso de Contos de Ficção Científica - Fantasporto 2012


Já sabiam que vai haver uma Antologia de Contos de Ficção Científica lançada no âmbito do Fantasporto 2012, integrada na colecção 1001 Mundos? E que podem fazer parte dela? Não?! Então corram a ler o regulamento!

domingo, junho 12, 2011

CI2011 - O Porto Fantástico e o Fantástico no Porto: À conversa com Beatriz Pacheco Pereira



Conversa com Beatriz Pacheco Pereira; moderação de Rogério Ribeiro.

(16/4/11 - CLP - Clube Literário do Porto).
Gravação de Sofia Romualdo (em 5 partes).

CI2011 - Apresentação "Marionetas do Porto"



Apresentação sobre Marionetas, com Isabel Barros e Shirley Resende, do Teatro de Marionetas do Porto; moderação de Rui Ramos.

(16/4/11 - CLP - Clube Literário do Porto).
Gravação de Sofia Romualdo (em 3 partes).

CI2011 - Painel "Arte Fantástica"



Apresentações de Arte Fantástica, com Diogo Carvalho, André Coelho e Pedro Miranda; moderação de Rui Ramos.

(16/4/11 - CLP - Clube Literário do Porto).
Gravação de Sofia Romualdo (em 5 partes).

CI2011 - Painel "Contos: O Fantástico em dose concentrada"



Debate sobre ficção em formato curto, com José Pedro Lopes, João Reis, João Ventura e Jorge Palinhos; moderação de Inês Botelho.

(16/4/11 - CLP - Clube Literário do Porto).
Gravação de Sofia Romualdo (em 5 partes).

quinta-feira, junho 09, 2011

Batalha, de David Soares - Resenha


Os animais não são estranhos à obra literária de David Soares; indo desde agentes interventores a símbolos da sua prosa hermética. No mais recente romance do autor, Batalha (2011, Ed. Saída de Emergência), os animais tornam-se actores de uma fábula que consegue cumprir os mais clássicos objectivos deste formato; e no entanto ainda surpreender, entretecendo as obras do autor entre si, e mais uma vez fortalecendo a relação simbiótica que tem vindo a construir com o próprio Imaginário nacional.

Partindo de uma crença popular oriunda da zona de Leiria, David Soares volta a fazer da História de Portugal a sua argamassa de artífice. No entanto, apesar de ambientado em 1402, o que poderia ser o ponto de partida narrativo foi habilmente transformado pelo autor no ponto de chegada, permitindo que o caminho que percorremos para lá chegar seja preenchido por aquilo que será indubitavelmente uma história intemporal. E é com a força que apenas as coisas simples conseguem ter que nos deixamos render à ascensão da criatura inicialmente conhecida por Caganeta.

A obra é composta por três actos: A Ratazana, A Porca e O Arquitecto. Pessoalmente, a primeira cativou-me pela simplicidade e mesmo ternura. Aliás, numa prosa ideal para quem achasse que o autor se refugia constantemente num estilo demasiado elaborado. Depois, crescentemente, David Soares leva-nos pela mão por uma explanação filosófica, e pragmática, sobre alguns conceitos essenciais, principalmente ligados à relação (humana) com o Divino; nessa viagem recuperando muito do seu estilo próprio habitual. Por fim, o encontro com Afonso Domingues é a catarse ideal para este livro, que até aqui nos conduzia pelas altas esferas de alguns sentidos abstractos, e que subitamente nos puxa os pés para o chão, com um puxão a que chamaria realista, mesmo tratando-se da realidade fantástica do universo autoral de David Soares.

Outro ponto alto deste livro é o extremo cuidado de produção colocado pela Saída de Emergência, na capa e sobrecapa, e o deslumbrante pormenor das ilustrações interiores de Daniel Silvestre da Silva; sem dúvida uma mais-valia deste volume.

Do íntimo da Fé ao aconchego da Religião, os animais de David Soares somos nós; umas vezes orgulhosamente indómitos, outras vezes absolutamente submissos. E, no final, apesar das nossas guerras interiores e dos actos que executamos, a nossa imortalidade será determinada pelo modo como, voluntária ou involuntariamente, nos transcendemos.

Em resumo, mais uma fabulosa entrada na obra, já considerável, de David Soares. E mesmo mantendo-se O Evangelho do Enforcado o meu favorito do autor, este Batalha tem momentos de puro brilhantismo, e é de aconselhar leitura obrigatória.

quarta-feira, junho 08, 2011

Conversas Imaginárias 2011 - Sessões

Começam agora a ficar disponíveis, no canal youtube do evento, as sessões do Conversas Imaginárias 2011, que ocorreu em Abril no Clube Literário do Porto.

sexta-feira, junho 03, 2011

Ouvir o chato dá direito a prenda...

É já amanhã, às 16:30, que estarei na Feira do Livro do Porto a abrir a apresentação do livro Rebelião, do Pedro Ventura. Como imaginam, até seria dispensável ouvir este chato, ainda para mais quando já resenhei o livro aqui no blog; mas, prometo brevidade, e terão essencialmente oportunidade de ouvir o próprio autor, o que será bem mais interessante.

Para juntar a isso, a Ed. Presença vai oferecer, a cada uma das primeiras 20 pessoas que apresentarem o convite impresso no lançamento, um conjunto de dois cheques-livro, de 5 euros cada. As regras do passatempo podem ser consultadas, aqui.

E a seguir, haverá uma sessão de autógrafos do Pedro, apimentada pelas usuais conversas de bastidores. Faça bom tempo...

Um olhar...


Luís Filipe Silva dá-nos um breve vislumbre sobre uma das partes que permanecem inéditas no chamado tríptico "A Bondade dos Estranhos".

Iniciado com O Projecto Candy Man (2007, Ed. Chimpazé Intelectual), de João Barreiros, as restantes secções da prometida trilogia, da responsabilidade de João Seixas e Luís Filipe Silva, acabaram por nunca serem escritas. No entanto, a primeira parte constitui uma história independente, completa, que pode ser lida sem necessidade das posteriores, e que pode ser ainda encontrada, por exemplo, nas Feiras do Livro, na tenda dos pequenos editores.

Resta-nos reler a obra de João Barreiros, e espiar estes vislumbres de um futuro prometido mas não materializado...