sábado, abril 17, 2010

There Can Be Only One?!


O título para este post foi difícil de encontrar. A razão principal para essa dificuldade foi a minha intenção de abordar vários temas. Assim, reducionista que possa ser, a opção escolhida acabou porventura por ser a mais polémica, a mais visceral. No entanto, a intenção é não ficarmos por essa faceta, mas sim abordar alguns pontos que me têm andado a moer há algum tempo, e que acabaram por coalescer ao ler o recente anúncio do adiamento do Jornal Conto Fantástico. Espero que olhem para além do título (mas, já agora, também para ele!).

Para facilitar a clareza da argumentação, irei reproduzir aqui alguns excertos do referido comunicado, da autoria do Flávio Gonçalves. Quem quiser fugir aos riscos de descontextualização, pode consultar o comunicado na íntegra, aqui ou aqui.

É imprescindível começar por referir que esta iniciativa, da editora Antagonista, fruto de uma colaboração entre o Flávio e o Roberto Mendes, responsável pela revista Dagon, é de louvar. Como inicialmente anunciado, trata-se-à de um jornal mensal, focado no conto fantástico, incluindo na sua constituição contos, entrevistas e artigos. Tal publicação, num campo ávido de conteúdo como é o da literatura fantástica nacional, não deixará certamente de ter um efeito positivo.

A este projecto surgiu entretanto associado um site oficial. Mais do que a mera publicidade ao jornal impresso, este site, reencarnação de um anterior portal que tinha entrado em auto-gestão, parece pretender assumir-se, ele próprio, como um exibidor de material original. Desta forma, assim como foram abertas submissões de contos para o jornal, são pedidos contos, noveletas, novelas, artigos de opinião, notícias e entrevistas, para o site.
Arvorando-me a algum conhecimento ganho nos últimos anos no meio do fantástico português, admito que me assusta um pouco esta dispersão. Não me interpretem mal, sou a favor da pluralidade de projectos. É algo de cuja falta padecemos. Aparentemente temos o fado de ver projectos nascer e morrer continuamente, mas raras vezes em simultâneo. Mas olhando para o presente momento, julgo constatar, num meio, assumamos, pouco prolifico, em qualidade e quantidade, um excesso de solicitações para projectos que dificilmente terão características editoriais diferentes (pela subjectividade de estarem envolvidas as mesmas pessoas). Especialmente no caso da Dagon, Volluspa, Jornal Conto Fantástico, Colecção Mir e Site Conto Fantástico; com outras novidades em fanzines e antologias prometidas para breve.

Claro que admito que estas fraquezas possam ser transformadas em forças. Guardemos esse ponto para mais à frente. Resolvamos primeiro esta questão da pluralidade, até porque é a que tem a ver com o título que atribuí ao post.

Escreve o Flávio no seu comunicado: «Será um projecto inovador dado que colmatará a actual ausência de órgãos nos quais os novos autores portugueses possam ser publicados e, consequentemente, criticados e escrutinados.».
Talvez por excesso de entusiasmo, o Flávio esqueceu-se das várias antologias que têm sido publicadas, assim como das várias que estão presentemente a aceitar submissões. De igual forma, esqueceu-se daquela que é presentemente a revista de literatura fantástica de maior duração, a BANG!. Provavelmente uma troca de galhardetes com o crítico João Seixas, que tinha por seu lado, também lamentavelmente, referido a BANG! como «a única revista portuguesa dedicada ao Fantástico».
Enquadrando estes quadros rocambolescos na actual "moda" de ignorar em posteriores publicações o caminho editorial percorrido por determinadas peças, nomeadamente contos, fica-nos um panorama de projectos "únicos" e "inovadores", cada vez mais autistas para o carácter "único" e "inovador" dos restantes!

Mas outra consideração, potencialmente mais produtiva, me surge da citação inicial. Especificamente sobre o benefício que advém para o autor da sua publicação. Diz de seguida o Flávio, «Julgamos que só assim poderão não só dar-se a conhecer como também poderão, com base nas críticas que receberem, melhorar o seu desempenho.».
Não concordo com o Flávio de que essa evolução advenha dos comentários dos leitores. Primeiro por conhecê-los (como escritor ou editor) escassos, depois por receá-los pouco técnicos e, muitas das vezes, cacofónicos na sua crítica escarninha ou apoio deslumbrado. É provável que a reacção do público possa fornecer uma medida do que ressoou com sucesso e do que se perdeu na transmissão da intenção com que a peça foi originalmente escrita. Mas pouco mais que isso.

Daí a suprema necessidade de editores. Mas daqueles mais interventivos, que opinam, que comentam tanto a qualidade básica do texto como a sua qualidade literária, que encaminham o autor com sugestões, que se atrevem a rejeitar. Oficinas de escrita ou grupos de escritores seriam outra opção de excelência para a melhoria dos textos, mas não ocorrem, resta saber se por falta de coordenação editorial ou por ausência de interesse autoral.
De qualquer forma, ao leitor devia ser poupado o test-drive, principalmente quando é cliente-pagador. Corre-se o risco dele se recusar a dar segunda volta ao circuito!

Prossegue o Flávio, afirmando que «Podíamos ter optado por um formato menos profissional, mais fanzine uma vez que normalmente é aí que se costumam estrear os novos talentos, mas uma vez que no mercado português não abundam quaisquer publicações do género e pressupondo que uma distribuição em várias livrarias e revistarias constitui um incentivo extra para os autores (uma zine fotocopia-se e oferece-se aos familiares, amigos e colegas, o jornal está legalmente registado e estará à venda ao público)[...]».
Apesar de entender o que supostamente quer dizer ao referir «um formato menos profissional», penso que o termo estará mal utilizado, e que se presta a uma confusão recorrente (causa, aliás, de debate aceso recente entre um editor e um tradutor da nossa praça): O grau de profissionalismo terá mais a ver com o aprumo no conteúdo do que com a qualidade do papel em que se escolhe imprimir o volume (e faço este comentário ainda sem ter visto a impressão do jornal, mas, pelo comunicado, julgando-a a melhor). Além disso, um fanzine pode perfeitamente estar à venda ao público, seja em lojas ou pelo correio.

Isso leva-nos à questão da distribuição. Pressupondo que a aceitação do jornal será menor que a da colecção Mir junto de livrarias, e que a tiragem do jornal não permitirá a cobertura da rede de "revistarias", sobrará certamente a loja virtual da Antagonista e algumas lojas de especialidade (indicando a editora neste momento, em termos gerais, cinco). Pessimismo indesejável, mas interrogo-me se não estará perto da verdade; principalmente quando várias pequenas editoras lançam apelos públicos à ajuda dos leitores, perante a incapacidade de penetração nas livrarias.

Efectivamente há muito a fazer no que diz respeito ao desenvolvimento da escrita de características fantásticas. E volto a pegar no ponto que tinha ficado pendente, nomeadamente de das fraquezas se poderem criar forças.
Algumas das publicações acima mencionadas poderão ser direccionadas para criar uma arena de treino para os autores, tentando atingir as outras com padrões de exigência superior. Não será preciso explicar o insidioso desta afirmação; a discrepância de critérios de qualidade seria certamente razão automática de descrédito perante muitos leitores.

Não se notando diferenças profundas na linha editorial entre várias publicações, perante a ainda insípida produção nacional, parece-me perigoso a dispersão de meios; receios talvez provados pelo atraso anunciado do Jornal Conto Fantástico, e da falta de anúncio da data de lançamento da Dagon nº2. Já bastarão os atrasos impostos pelo ritmo de vida profissional de quem, quase sempre, não faz destas publicações a sua vida profissional.

3 Comments:

At 4/17/2010 9:33 da tarde, Blogger Roberto Bilro Mendes said...

Rogério,

Ehpa que grande título...é um risco criar vários projectos, contudo acredito (ou tenho essa ilusão) que surgirão mais e melhores escritores se existirem mais projectos deste tipo. A Bang!, já uma certeza pelo seu trajecto, certamente que subsistirá (seja em papel ou em formato electrónico) o que será muito importante para o fantástico nacional. Espero que a seu lado consiga que a Dagon e o Jornal sejam também certezas para os autores e leitores portugueses. Maior quantidade de oferta gera maior procura...ou pelo menos espero que assim seja!

Quanto aos fanzines que vão surgir, não são "meus", ou seja, não os vou editar. Penso que quando surgirem vão ter bastante impacto e ajudar o panorama nacional.

Posso falar da primeira experiência a produzir o jornal e a revista em simultâneo. O jornal está terminado em termos de escolhas e está quase pronto em termos de paginação e design. A Dagon também está pronta em termos de escolhas. E a número três está a meio. Contudo, para poder baixar o preço da Dagon, é necessário mudar de gráfica, o que está bem encaminhado e também tratar da distribuição que falhou no número um. Só vou lançar a revista quando tudo isto estiver resolvido. E esta nova gráfica está com problemas de deadlines, ou seja, iremos trabalhar com um tempo de resposta de quatro a cinco semanas: Maio então. Não foi pelo facto de a produção ser baixa (nesta Dagon tenho sete contos). Espero que os receios que tens não venham a revelar-se realidades, por agora acredito mesmo que assim não será.

Um grande abraço

 
At 4/18/2010 1:42 da tarde, Anonymous Flávio Gonçalves said...

Realmente, relendo o comunicado noto que a minha escolha de português não foi a melhor - ou pelo menos noto agora que não me exprimi de modo claro, quando referi "a actual ausência de órgãos nos quais os novos autores portugueses possam ser publicados e, consequentemente, criticados e escrutinados" estava precisamente a pensar em 'rampas de lançamento' para novos autores, a "Bang!" e a "Dagon" publicam autores consolidados com livros publicados, o jornal procura desconhecidos, quando o escrevi estava a pensar na actual ausência de zines e webzines.

Cabe-me publicar o jornal e colocá-lo na rua todos os meses, uns meses estou certo que terá um conteúdo excelente, noutros nem tanto - nisso estou a contar com o discernimento do director.

 
At 4/18/2010 9:26 da tarde, Blogger Rogério Ribeiro said...

Roberto:

Então cá fico em pulgas para ler o Jornal em Maio... e, por essas contas, a Dagon em Junho! ;)

Flávio:

Boa sorte para o projecto.


Abraços,
Rogério

 

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