sábado, abril 20, 2013

Winepunk


"Se na nossa cidade há muito quem troque o B por V, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão."
                                                                   Almeida Garret


A chuva lavara as últimas poeiras da construção dos edifícios Beaux-Arts da Avenida dos Aliados. Nas elegantes esplanadas bebericava-se chá inglês e vinho do Porto. Na Alameda Cívica, desfilavam cavalheiros de uniforme e barões do comércio com damas pelo braço, empenhados em verem e serem vistos. Nos interstícios, o povo labutava nas suas funções, honradas mas sempre subalternas. No céu e em terra, zepelins e marchadores, movidos pela nova tecnologia do álcool, insuflavam em todos os nortenhos o orgulho patriótico devido a El-Rei, Dom Manuel II, monarca do Portugal d’aquém Mondego e da Galiza.

Ninguém previra que a Monarquia do Norte pudesse ter chegado ali, nascida há apenas três anos de um iminente fiasco que poderia ter hipotecado definitivamente as aspirações realistas. Um estado virtualmente utópico, que se obstinava perante uma República sulista que a desprezava de morte, invejosa da sua aparente harmonia social. Um triunfo da propaganda, que sobrevivia no fio-da-navalha diplomática entre a cobiça inglesa e a tentação germanófila. Um anacronismo suportado pelo engenho inovador e vontade férrea de uma elite tolerante, mas intolerada no seio do seu próprio regime. Uma sociedade que parecia ignorar que quanto mais brilhante uma chama arde, mais célere se extingue.

(anda por aí um novo projecto de história alternativa nacional que convém espreitar: Winepunk)