Alex-9 - A Guardiã da Espada - Resenha
Ao ler Alex 9 – A Guardiã da Espada, livro de estreia de Bruno Martins Soares (sob o pseudónimo Martin S. Braun) comecei por recear o pior e acabei surpreendido pelo melhor. E não foi o facto desta obra pertencer à colecção Teen, secção criada pela editora Saída de Emergência para enquadrar obras de carácter juvenil, o que criou essa primeira impressão negativa, mas sim alguns aspectos tanto narrativos como técnicos.
Aliás, a obra demonstra um crescendo de maturidade ao longo das suas páginas, igualmente na estrutura e tratamento como nas próprias personagens. Maturidade essa que acaba por levar a bom porto um livro marcado por uma tremenda ambição do autor, nomeadamente a tentativa de casar numa mesma obra os ambientes da ficção científica e da fantasia épica, e de ressuscitar o sense of wonder juvenil da época de ouro da ficção científica mundial. Se esta ambição é ameaçada de falhanço num início menos seguro, que se aproxima perigosamente de afastar o leitor mais exigente, a partir de meio é recuperada com assinalável competência, até a um clímax final aceleradamente envolvente.
Alex-9, tenente-coronel de uma força de elite corporativa de uma Terra futura, é a bad-ass girl central nesta crónica de aventuras. Enredada em acontecimentos que nos vão sendo relatados, alternadamente entre duas linhas temporais próximas, uma daqui a 100 anos e a outra daqui a 300, esta não é uma viagem de coming of age (como seria de esperar numa obra inserida nesta colecção), isso é-nos dado através do relato da sua formação como agente especial por Kaoru e Pierre, mas sim de choque e adaptação perante um mundo diferente na aparência, mas similar nas motivações humanas. É também a história de uma lenda, que fornece à narrativa uma espinha dorsal que conduz a acção, mantém o mistério e, no fundo, informa as reacções de todas as personagens.
Para além de Alex-9, este livro está repleto de personagens formidáveis, com particular atenção para o Príncipe Dael (apesar de o autor o ter tornado enjoativamente puro no início. “Era uma bela mulher, com vinte e alguns anos, quase desnuda, com o cabelo castanho e a pele branca. Vikson reparou nos seios firmes e Dael reparou na face inconsciente e vulnerável”) e para a dupla Garic de Cary/Hert (uma clara homenagem a William de Baskerville, o monge-detective de O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e o seu ajudante Adzo). Outras personagens mostram já bastante promessa, neste primeiro volume de uma saga anunciada, como o Bispo Serkatic, o Príncipe Al-Sa Hudin, Wa-Tzu ou Rin Jikard. E mais haverá para dizer quanto ao “passado” de Alex-9, nomeadamente sobre Kaoru e Pierre.
Como dizia, o início é marcado por um recuperar de algumas das características da literatura de ficção cientifica juvenil dos anos de ouro da FC, que teve em certos autores americanos, como Robert A. Heinlein, o seu expoente máximo. A aventura e dinâmica narrativa, a juventude da heroína, o jargão tecnológico (pistolas-magnéticas, jetkarts e jetpacks, chips ultra-avançados e ultra-secretos, batas de hibernação, baterias de propulsão, chave-laser, revólver de mísseis anti-pessoais, etc), e alguma hibridização com a fantasia épica (esta característica mais tardia), todos estes aspectos são explorados no livro. Se o ambiente desejado parece ser conseguido, algum cuidado na edição teria tornado tudo mais consistente.
Mas onde a falta de edição se faz mais sentir, para além de algumas gralhas gritantes nos primeiros capítulos, é na tendência do autor de escrever longas frases, excessivamente pontuadas por “e”s, que dificultam a leitura e chegam pontualmente a perder o sentido a meio (como numa das cenas de luta de Alex-9). Tratando-se a Saída de Emergência de uma editora profissional, e não de uma small-press ou edição de autor, esta desatenção torna-se ainda mais difícil de aceitar, principalmente em benefício do reconhecimento do mérito do próprio autor. Cito apenas um, de inúmeros exemplos possíveis:
“Méria gritou e Luyp esperneou e Fredel desembainhou a espada e dirigiu-se à escada que levava ao pátio, mas três cavaleiros armados com lanças e maças vieram pôr-se à sua espera e Fredel parou sem saber o que fazer e de repente tudo o que se ouviu foram as gargalhadas maldosas e satisfeitas de um enorme brutamontes que agarrava Luyp pelos cabelos e o estalajadeiro saiu mas sem saber o que fazer e Fredel viu os seus criados a aparecerem do outro lado do andar com os seus cajados e viu mais quatro cavaleiros a posicionarem os cavalos para os seguirem e também ele não sabia o que fazer… e nessa altura Alex apareceu.”
O que não seria assim tão mau, se não fosse uma tendência expressa ao longo de todo o livro. E se estas situações se tornam merecedoras de serem apontadas, é precisamente pela excelência que o livro consegue atingir em termos de gestão de tensão, de cenários e de riqueza de personagens. O que, de novo, torna particularmente custoso para o trabalho do autor que estes pormenores não tenham sido devidamente polidos. No entanto, asseguro que, pelo virar da última página, o único sentimento do leitor será o desejo de pegar no segundo volume desta saga.
Para terminar, sendo justo com o trabalho da editora, houve um cuidado raro com os aspectos gráficos desta edição. Seja pela capa dura (opção reconhecível desta colecção), quer pelas ilustrações interiores, nomeadamente pelos painéis que ilustram as principais batalhas do livro, o Cerco de Asagai e a Batalha de Golaria. Foram uma surpresa agradável, depois da aparente limitação do mapa inicial.
Apesar dos pormenores apontados, este é um livro de leitura obrigatória. Tudo indica tratar-se do início de uma das mais interessantes sagas da literatura fantástica nacional (estando o segundo volume já à venda nas livrarias).