Conversas Imaginárias - Porto 2011
Pois é, a vontade de realizar um evento no Porto, que já vinha de há muitos anos, vai agora concretizar-se, com a edição na cidade do próximo
Conversas Imaginárias.
Assim, nos dias 16 e 17 de Abril de 2011, com organização minha, da
Inês Botelho,
Madalena Santos,
Rui Baptista e
Rui Ramos, e com a colaboração do
Clube Literário do Porto, onde irá decorrer o evento, haverá uma programação inteiramente dedicada ao Fantástico nacional, nas suas várias formas (literatura, cinema, ilustração, banda desenhada, música, etc.).
Ao longo dos próximos meses irão sendo dados mais pormenores, mas podemos já adiantar que uma das convidadas principais será a escritora
Beatriz Pacheco Pereira; que tem retratado nas suas obras um Porto com traços de fantástico, quer no seu quotidiano actual quer mesmo num futuro pós-apocalíptico.
Considerando o encanto próprio das instalações do CLP, e o sucesso obtido na primeira edição do Conversas Imaginárias em Lisboa (2009), este evento irá certamente apelar a todos os adeptos e curiosos pelo género Fantástico, principalmente para conhecerem o que se vai fazendo (de melhor) em Portugal.
O cerne da questão...
Today's audience doesn't care about things that are wrong with the plot, or clunky sentences; they're reading for story.
Charles N. Brown, in Locus #586
Bom, aqui tenho de concordar e discordar do falecido editor da Locus. Pelo menos no caso da realidade portuguesa!
É que, vendo por muitos dos comentários e resenhas dos leitores de literatura fantástica nacional, nomeadamente nos rasgados elogios a algumas das obras, realmente não é o enredo o mais valorizado, mas também não o será a narrativa. Mas afinal o que é?!
Bem, pensando um pouco sobre o assunto, chego à conclusão que só poderá ser... a pirotecnia!
Seja emocional ou cénica, o que vejo mais frequentemente elogiado nestas obras são as emoções arrebatadas ou a cenografia grandiosa (embora aqui talvez "pomposa" fosse um melhor adjectivo descritivo), mesmo que tal seja feito com total sacrifício de enredo e narrativa. Pior quando há muitos que aplaudem... mostra que ainda temos um longo caminho a percorrer!
Vaporpunk - Resenha (1/2)
O primeiro impacto da colectânea luso-brasileira
Vaporpunk – Relatórios steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades é obviamente a capa. Um meticuloso trabalho de
Erick Santos, que remete o observador para a abertura de um novo mundo de possibilidades tecnológicas. Da mesma forma, o próprio nome escolhido para o volume empresta-lhe imediatamente uma ambientação lusófona, sensivelmente diferente do clássico
steampunk.
Esta primeira parte da resenha incidirá sobre a “metade” de origem portuguesa, sem outro critério que não seja a sua inserção na actual corrente da ficção fantástica nacional. Assim, para além do trabalho de antologista de
Luís Filipe Silva, assinalam-se as participações de
Yves Robert,
Jorge Candeias e
João Ventura.
A escolha da extensão noveleta, ao invés de conto, é bastante interessante; principalmente tratando-se de contos que em alguns casos fogem à usual inclusão no género steampunk, e por isso beneficiarão teoricamente de um pouco mais de espaço de contextualização e desenvolvimento.
Qualquer uma das três noveletas apresenta-se com uma qualidade de escrita acima da média. E curiosamente, cada um dos autores “atacou ” o tema com uma perspectiva diferente, assim como são algo díspares os tratamentos literários formais apresentados.
Começando pelo que mais se afasta do esperado,
O Sol é que alegra o dia, de
João Ventura, centra-se na figura histórica de
Padre Himalaya (1868-1933) e nos seus inventos de aproveitamento solar. Assim surge, já entrados no séc. XX, um
heliopunk, posterior até à verdadeira Revolução Industrial. Uma alternativa não-poluente que enfrenta as poderosas indústrias do carvão e do petróleo a que estamos presentemente subjugados.
Do ponto de vista formal, a noveleta, iniciada com dinamismo, começa a resvalar para um tom ensaístico, que eventualmente se torna o registo dominante até ao seu final. A intenção de abarcar toda a vida do engenhoso padre português obriga a que muitos segmentos não sejam mais que relatos jornalísticos/históricos, um encadear de sucessos retumbantes que nega a premissa inicial de luta perante o poder de um conglomerado político-industrial mundial; que afinal não se revela em mais do que dois actos de desastrado vandalismo.
O final, preso a uma tentativa de mostrar como a História de Portugal seria diferente perante o sucesso tecnológico da energia solar, também acaba por produzir em termos de especulação histórica algumas dificuldades. Apesar de delicioso, o ponto final soa de alguma forma insignificante, perante a prometida revolução global, e principalmente perante a necessária mudança social que inviabilizasse o clima que levou à ascensão ao poder de Salazar; ao invés da utopia da Comunidade da Luz parecer ser automaticamente estendida a todo o território e sociedade. Da mesma forma, dificilmente essa revolução tecnológica asseguraria a manutenção da Monarquia, com o beneplácito de republicanos e outros opositores. Perante o notório fanatismo de alguns sectores republicanos e maçónicos, o mais provável é que o próprio Padre Himalaya se tornasse num alvo a abater, por sustentar de forma tão decisiva o regime monárquico. Por último, a posição de heterodoxia manifestada pelo personagem principal no início, e que abria portas a algumas vias de conflito, acaba por se esfumar sem continuidade.
Após ler esta noveleta, ficou-me a curiosidade de ver alguns dos seus episódios tratados de uma forma mais dinâmica, isoladamente, em conto ou noveleta. E provavelmente com uma conflituosidade acrescida, de forma a melhor mover a narrativa.
Unidade em chamas, de
Jorge Candeias, altera o que foi o envolvimento de Portugal na Guerra da Sucessão Espanhola, baseando-se num poderio aéreo fornecido pelas invenções de outro padre,
Bartolomeu de Gusmão (1685-1724). No entanto, aqui os pormenores históricos são mantidos propositadamente vagos, cedendo o palco ao drama humano vivido pelos tripulantes dessas naves.
Em termos de escrita, será até ao momento o texto mais conseguido pelo autor que li. A prosa é evocativa e bastante próxima das emoções dos personagens. Igualmente, os cenários e a tecnologia especulativa são descritos com riqueza e fluidez. Nomeadamente, o autor dá-se a grande empresa ao fazer uma descrição metódica e detalhada da Passarola de Bartolomeu de Gusmão, numa versão bastante aproximada daquela que foi desenhada pelo filho de 14 anos de um dos seus patronos; e cujo aspecto fantasioso foi encorajado pelo próprio Bartolomeu, afim de iludir os potenciais plagiadores da sua tecnologia. Jorge Candeias resolve a anacronia tecnológica ao potenciar a Passarola com um secreto Gás Gusmão, capaz de elevar a nave com máquinas, tripulação e respectiva aparelhagem bélica.
Mas o fulcro da noveleta revela-se ser não a nova tecnologia, mas a coexistência de dois contingentes de aeronautas: um de brancos e outro de negros e mestiços. Apesar da boa vontade de D. João V, suportado por uma elite cultural e científica mais esclarecida, muitos dos brancos assumem, por soberba ou ignorância, uma posição xenófoba. Se os primeiros não a perdem, por ganância frustrada, os segundos parecem, aos poucos, na imposta camaradagem do dia-a-dia, confrontarem-se com a questionação desses hábitos.
Apesar da capacidade técnica exibida, no final a noveleta induz o sentido de uma narrativa mal aplicada. Desde muito cedo temos a noção que Sidónio, o personagem principal, é um dos elementos tolerantes do corpo de brancos; não sendo a situação crítica que ocorre no final que o transforma de maneira radical. Similarmente, os vilões da noveleta são apontados cedo, e mais não fazem do que interpretar um papel unidimensional, comum em obras que assumem um pendor marcadamente panfletário.
Acima de tudo, e ao contrário da noveleta anterior, neste caso estamos perante o que poderiam ser um ou dois excelentes capítulos de um romance, mas que como noveleta se revela aquém de uma resolução satisfatória.
A última noveleta a referir, embora seja destas a que surge primeiro no volume,
Os oito nomes do deus sem nome, de
Yves Robert, é precisamente a que mais se aproxima do steampunk arquetípico. Passada no reinado de
D. Carlos I, trata-se de uma história de espionagem; num mundo em que o Reino-Unido se impôs pela sua maquinaria, a França pela sua pesquisa psíquica, e Portugal alargou o seu Império… pela sorte!
Obviamente há muito mais por detrás dessa “fortuna”, e caberá aos espiões estrangeiros, ajudados por dois espiões portugueses, descobrir esse segredo e, se possível, derrubar o poderio português.
Ao fantástico sobrenatural que permeia desde o início a noveleta, Yves Robert contrapõe alguns gadgets com conotações steampunk. Infelizmente, pela aparente preocupação de não se afastar de um sentido realista, acaba por faltar algum brilho à competição gabarola entre nacionalidades. Em maior ou menor grau, falta a mesma chama ao longo da noveleta; apenas surgindo na reviravolta final.
Mesmo sendo indubitavelmente a obra de narrativa mais dinâmica, essa reviravolta é claramente redentora da noveleta; e conseguiu afastar o sentido de iminente desilusão que me estava a acompanhar o final da sua leitura. Em resumo, uma noveleta que termina de forma excepcional, mas que talvez pudesse ser mais trabalhada no meio.
Fica assim em falta resenhar os contos de autores brasileiros, para que se possa dar uma opinião sobre a antologia como um todo. De qualquer maneira, é de assinalável interesse este “diálogo” lusófono, ainda mais na forma de noveletas e com uma tentativa de temática unificadora; pena é que o seu período de submissão não tenha sido melhor divulgado no nosso lado do Atlântico.