Fénix é um novo fanzine de ficção científica, fantasia e horror. Apesar de emanar oficialmente de um colectivo homónimo, este número inaugural (ou experimental, tendo em conta que foi numerado como zero) é fruto da perseverança do seu editor,
Álvaro de Sousa Holstein. O mesmo transparece do editorial apresentado, que traça brevemente a evolução do fanzine, assim como uma visão particular do momento actual do fantástico nacional.
Não entrando já no comentário ao editorial, há dois marcos de sinalização positiva obrigatória neste fanzine: a recuperação de um conto de José Manuel Morais, e o conto de estreia de José Pedro Cunha. Mas sigamos a ordem pela qual os contos nos são apresentados…
A escolha do conto de abertura subia bastante a fasquia. Da autoria de
João de Mancelos, escritor com vários livros de ficção científica publicados, professor de escrita criativa, fazia antecipar um conto de qualidade acima da média, bem trabalhado e consistente. Não foi no entanto essa a conclusão retirada com a sua leitura.
Este “Satélite de Natal” começa com um diálogo desinteressante, prossegue com um parágrafo de
infodump, e nunca chega, nas breves 3 páginas que ocupa, a adquirir algum tipo de consistência. Um relato
sci fi, esboçado e superficial, de um sucateiro marciano, com final previsível e humor apenas tentativo; de temática a lembrar The Star, um conto de
Arthur C. Clarke.
Bem mais interessante começa “A gloriosa raça das ratazanas”, de
Joel Puga. No entanto, este conto revela uma falta crítica de edição, tanto no seu desenvolvimento como no final.
Filistan é um apanhador de ratos, exterminador numa Ulm medieval fantástica, que enfrenta uma invasão de ratazanas de dimensões nunca vistas, e da qual tem de descobrir a origem. Joel Puga consegue obter uma ambiência envolvente, e, em algumas personagens, uma caracterização atraente. No entanto, com o decorrer da busca de Filistan, o conto perde muita da sua força, e o final é um inexplicável
deus ex machina. Uma pena, num conto que tem todas as indicações para se tornar uma excelente história de fantasia épica, mas necessitando para isso de um pouco mais de trabalho.
“Os pilares”, de
José Manuel Morais, é um dos pontos altos desta publicação. O que não surpreende, dado o seu percurso. Desde que venceu o concurso de ficção curta do Fantasporto, em 1983, foi publicado em França e republicado, em 1988, em Portugal. Pela força da sua narrativa e a densidade das suas referências, reais e imaginárias, será sempre uma aposta ganha expô-lo a uma nova geração de leitores; sendo de uma leitura surpreendentemente fluida (que apenas é interrompida pontualmente pelos efeitos de uma qualquer reformatação inadvertida, que espalhou arreliantes hífens pelo texto).
Uma excelente escolha para substituir a desajustada “crónica” de
Ricardo Loureiro; entretanto
retirada pelo editor, da primeira para a segunda edição do fanzine.
A estreia de
José Pedro Cunha, com “O velho das terças-feiras”, é o outro ponto alto da ficção curta escolhida. Demonstrando mais uma vez que pode existir uma literatura fantástica de cariz tipicamente português, este exemplo de fantástico urbano, entre lojas e tascas, sapateiros e talhantes, vai caminhando para um final antecipado, mas desenvolvido de forma a tornar-se perfeitamente harmonioso com o início do conto, e a deixar uma agradável sensação de realização no leitor.
Responsável pelo design e paginação do fanzine,
Marcelina Gama Leandro apresenta também aqui o conto “O roubo dos figos”. Se por um lado a voz infantil de Maria permeia com sucesso o tom da narrativa, por outro a estrutura do conto teria beneficiado de menos infantilidade. Como está, revela-se demasiado diáfano, inconsequente, provocando no leitor um encolher de ombros. De novo, um conto que teria melhorado bastante com um pouco mais de atenção, já que conta com bons momentos.
Da mesma forma, “E agora algo completamente diferente”, de
Regina Catarino, não consegue, em pouco mais de uma página, gerir a expectativa que tenta criar. Em ambiente Donnie Darko, não há espaço para mais pistas que as de se tratar de um monstro amarelo de mãos com quatro dedos. A merecer maior espaço de respiração, para desenvolver a subtileza essencial para evitar uma estrutura e um final tão arbitrários.
O fanzine termina com a crónica “O caminho”, de
Roberto Mendes, onde é traçada a perspectiva pessoal do passado recente e se prometem mais projectos para o futuro. Embora a crónica me tenha suscitado algumas questões, prefiro deixá-las para quando forem feitos os lançamentos nela anunciados para breve.
Referência ainda para a separata
Pumba. Se, por filosofia, o humor é desanuviador de tensões, quando manipulado por uma agenda direccionada presta-se a claras demonstrações de propaganda. Assim não se augura um futuro muito longo para esta separata; destinada, por repetição, a revelar cada vez mais alguns critérios dúbios. No entanto, para quem não esteja demasiado envolvido no fandom nacional, reconhecer quais os indivíduos retratados será um exercício com alguma piada.
Voltando finalmente ao editorial, obviamente não serei daqueles, como refere o artigo, que acham que existem presentemente três revistas profissionais. Primeiro porque a
Dagon e o
Jornal Conto Fantástico foram fundidos, depois porque penso que ambos não conseguiram ainda descolar-se de uma produção puramente amadora. Assim, será apenas à
Bang!, e apenas agora que é coordenada pela assistente editorial da editora Saída de Emergência,
Safaa Dib, e produzida em parceria com a FNAC, que se poderá atribuir o epíteto de “profissional”.
Também não me parece que seja de humores que o fantástico nacional esteja mais necessitado para fazer frente a “rabugices e inacção”, mas de trabalho afincado para se vencer a batalha da qualidade, agora que a batalha da quantidade parece ter sido vencida.
Mas o balanço final é claramente positivo. Ainda mais quando o fanzine foi produzido em três curtas semanas. Além disso, esta edição marca o retorno de Álvaro de Sousa Holstein ao activo, depois de vários anos de ausência destas lides.
Aliás, é uma pena que o mesmo tenha anunciado no editorial que o cargo de editor do fanzine terá um carácter rotativo entre os membros do colectivo. Não por estar a fazer juízos de valor sobre as pessoas envolvidas, mas por achar que uma das coisas que o meio mais necessita neste momento é de critérios editoriais marcados, estáveis e interventivos, nas várias publicações do género.
Uma última palavra para o preço da publicação: 2 euros é claramente pouco a pagar pelo resultado que nos é apresentado, ainda para mais com portes de envio já incluídos. Resta-nos agora esperar pelo nº1, apesar da sua data de publicação ser ainda incerta.